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Dádiva da Adoração a Deus

Adorar a Deus é um gesto simples, mesmo que muitas vezes não seja tão fácil assim, pelo menos quando se refere à verdadeira adoração que é feita alegremente, espontaneamente e em plena sinceridade de coração. Pois, apesar de simples, historicamente a humanidade sempre encontrou grandes dificuldades em oferecer a Deus verdadeira e exclusiva adoração. Continue lendo...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A Igreja tem salvação?

Por: Leonardo Boff em 09/09/2012

Esta pergunta vem formulada por um dos mais renomados e fecundos teólogos da área do catolicismo: o suíço-alemão Hans Küng num livro recém lançado no Brasil: A Igreja tem salvação?(Paulus 2012). De forma entusiasta fomentou a renovação da Igreja junto com seu colega da Universidade de Tübingen, Joseph Ratzinger. Escreveu vasta obra sobre a Igreja, o ecumenismo, as religiões, a ética mundial e outros temas relevantes. Devido a seu livro que questionava a Infalibilidade papal foi duramente punido pela ex-Inquisição. Não abandonou a Igreja mas, como poucos, se empenhou em sua reforma com livros, cartas abertas e conclamações aos bispos e à comunidade cristã mundial para que se abrissem ao diálogo com o mundo moderno e com a nova situação planetária da humanidade.
Não se evangelizam pessoas, filhos e filhas de nosso tempo, apresentando um modelo medieval de Igreja, feito bastião de conservadorismo, de autoritarismo e de antifeminismo e sentindo-se uma fortaleza assediada pela modernidade, tida como a responsável por todo tipo de relativismo. Diga-se de passagem que a crítica feroz que o atual Papa move contra o relativismo é feita a partir de seu pólo oposto, o de um invencível absolutismo. Pois esta sendo a tônica imposta pelos últimos dois Papas, João Paulo II e Bento XVI: um não às reformas e uma volta à tradição e à grande disciplina, orquestradas pela hierarquia eclesiástica.
O livro de Küng A Igreja tem salvação? expressa um grito quase desesperado por transformações e, ao mesmo tempo, uma manifestação generosa de esperança de que estas são possíveis e necessárias, caso ela não queira entrar num lamentável colapso institucional.
Fique claro, de saída, que quando Küng e eu mesmo, falamos de Igreja, entendemos, em primeiro lugar, a comunidade daqueles que se permitem um envolvimento com a figura e a causa de Jesus. O foco, então, reside no amor incondicional, na centralidade dos pobres e invisíveis, na irmandade de todos os seres humanos e na revelação de que somos filhos e filhas de Deus, Jesus mesmo deixando entrever que era o próprio Filho de Deus que assumiu a nossa contraditória humanidade. Este é o sentido originário e teológico de Igreja. Mas, historicamente, a palavra Igreja foi apropriada pela hierarquia (do Papa aos padres). Ela se identifica com a Igreja tout court e se apresenta como a Igreja.
Ora, o que está em profunda crise é esta segunda compreensão de Igreja que Küng chama de “sistema romano” ou a Igreja-instituição hierárquica ou a estrutura monárquico-absolutista de comando. Sua sede se encontra no Vaticano e se concentra na figura do Papa com o aparato que o cerca: a Cúria Romana. Há séculos que esta crise se prolonga e o clamor por mudanças atravessa a história da Igreja, culminando com a Reforma no século XVI e com o Concílio Vaticano II (1962-1965) de nossos dias. Em termos estruturais, há que se reconhecer, as reformas sempre foram superficiais ou proteladas ou simplesmente abortadas.
Nos últimos tempos, entretanto, a crise ganhou uma gravidade toda especial. A Igreja-instituição (Papa, cardeais, bispos e padres), repito, não a grande comunidade dos fiéis, foi atingida em seu coração, naquilo que era a sua grande pretensão: a de ser a “guia e mestra da moral” para toda a humanidade. Alguns dados já conhecidos puseram em xeque tal pretensão e colocaram a Igreja-instituição em descrédito.
Os escândalos financeiros envolvendo o Banco do Vaticano (IOR) que se transformou numa espécie de off-shore de lavagem de dinheiro; documentos secretos, subtraídos das mais altas autoridades eclesiásticas, quem sabe até da mesa do Papa por seu próprio secretário e vendidos aos jornais, dando conta das intrigas por poder entre cardeais; e especialmente a questão dos padres pedófilos: milhares de casos em vários países, envolvendo padres, bispos e até o Cardeal pedófilo de Viena Hans Hermann Groër. Gravíssima foi a instrução de 18 de maio de 2001 enviada pelo então Cardeal Ratzinger a todos os bispos do mundo, para acobertarem, sob sigilo pontifício, os abusos sexuais a menores pelos padres pedófilos, a fim de que não fossem denunciados às autoridades civis.Um Magistrado de Oregon,USA, tentou convocar o Cardeal a um tribunal. Finalmente o Papa teve que reconhecer o caráter criminoso da pedofilia e aceitar seu julgamento pelos tribunais civis.
Küng mostra, com erudição histórica irrefutável, os vários passos dos papas para passarem de sucessores do pescador Pedro, a vigários de Cristo e a representantes de Deus. Os títulos que o cânon 331 confere ao Papa são de tal abrangência que cabem, na verdade, somente a Deus. Uma monarquia papal absoluta com o báculo dourado não se combina com o cajado de pau do bom Pastor que com amor cuida das ovelhas e as confirma na fé como pediu o Mestre (Lc 22,32)

Leonardo Boff

Oração de Nietzsche: Ao Deus desconhecido

Por: Leonardo Boff em 01.04.2011

Muitos só conhecem de Nitzsche a frase “Deus está morto”. Não se trata do Deus vivo que é imortal. Mas do Deus da metafísica, das representações religiosas e culturais, feitas apenas para acalmar as pessoas e impedir que se confrontem com os desafios da condição humana. Esse Deus é somente uma representação e uma imagem. É bom que morra para liberar o Deus vivo. Mas não devemos confundir imagem de Deus com Deus como realidade essencial. Nietzsche estudou teologia. Eu pude dar uma palestra na Universidade de Basel na sala em que ele dava aulas, quando fui professor visitante em 1998 lá. Essa oração que aqui se publica é desconhecida por muitos, até por estudiosos do filósofo. Por isso no final indico as fontes em alemão de onde fiz a tradução. No original, com rimas, é de grande beleza. LB

Oração ao Deus desconhecido


Antes de prosseguir no meu caminho
E lançar o meu olhar para frente
Uma vez mais elevo, só, minhas mãos a Ti,
Na direção de quem eu fujo.
A Ti, das profundezas do meu coração,
Tenho dedicado altares festivos,
Para que em cada momento
Tua voz me possa chamar.

Sobre esses altares está gravada em fogo
Esta palavra: “ao Deus desconhecido”
Eu sou teu, embora até o presente
Me tenha associado aos sacrílegos.
Eu sou teu, não obstante os laços
Me puxarem para o abismo.
Mesmo querendo fugir
Sinto-me forçado a servi-Te.

Eu quero Te conhecer, ó Desconhecido!
Tu que que me penetras a alma
E qual turbilhão invades minha vida.
Tu, o Incompreensível, meu Semelhante.
Quero Te conhecer e a Ti servir.

Friedrich Nietzsche (1844-1900) em Lyrisches und Spruchhaftes (1858-1888). O texto em alemão pode ser encontrado em Die schönsten Gedichte von Friederich Nietzsche, Diogenes Taschenbuch, Zürich 2000, 11-12 ou em F.Nietzsche, Gedichte, Diogenes Verlag, Zurich 1994.

Reflexão Teologica: liberdade para ser escravo (servo)

Algumas mensagens precisam estar sempre presentes em nossa memória e em nosso coração. Hoje tive o prazer de ser agraciado com essa linda mensagem do meu amigo, o Pr. Valdinei Sobrinho Santana, que fez essa excelente reflexão sobre o atitude cristã de servir ao próximo. Fico agradecido ao Pr. Valdinei por ter compartilhado esse belo texto.

Abaixo segue o texto na íntegra e ao final um breve comentário meu:

 

Reflexão Teologica: liberdade para ser escravo (servo) 

Por: Pr. Valdinei Sobrinho Santana, em 12.09.2012.

Há quem diga que “quem não vive para servir, não serve para viver...” O que muitos não sabem ou não se dão conta é que a frase é extremamente bíblica. A dinâmica do reino de Deus é a dinâmica do serviço e da entrega. Há um texto muito especial nas referencias canônicas que mostra de forma clara e contundente esta realidade. Está em Marcos 10: 35 a 45, um dos textos mais lindos da bíblia. Neste, Jesus altera a ordem social do seu contexto, mostrando que seus discípulos deveriam seguir o seu exemplo em servir e não o de serem servidos.
O texto informa que dois discípulos (a outras versões que informam que o pedido foi da mãe) chegaram próximos a Jesus e lhe pediram algo incomum (pelo menos por ser discípulos de quem eram) O pedido foi de Tiago e João, e o que pediram a Cristo foi que ao subirem aos céus um se assentasse a sua direita e o outro a sua esquerda. A resposta de Jesus foi rápida e sintética, em outras palavras ele disse “Vocês não sabem a besteira que estão pedindo, nem sequer meditaram no que estavam para pedir para fazê-lo”. A lógica daqueles dois discípulos era a mais humana possível; Queriam estar acima dos demais. O desejo dos mesmos é o desejo do homem enquanto homem, que ao deparar-se em um mundo de “salve-se quem puder” age de forma autenticamente egocêntrica, para destacar-se acima de seus iguais, com todos os meios e métodos que possuem em mãos, justificando ou não, os fins aos meios. O que os dois pupilos de Jesus queriam era estar acima dos outros dez.
A resposta de Cristo é impressionante. Jesus fala que no seu contexto social (e por que não dizer em todos) os maiorais exercem autoridade sobre os menos favorecidos, “mais entre vos não é assim, portanto aquele que quiser ser senhor seja servo de todos”. Interessante como Jesus inverte a pirâmide social informando aos seus discípulos que os mesmo só poderiam ser senhores se antes de tudo, fossem servos. Ele segue dizendo que o mesmo também veio ao mundo para servir e não ser servido. Creio ser o único rei na historia da humanidade que teve a coragem de dizer que no seu reinado ele é o rei que serve e não o que é servido.
A palavra servo, que Jesus usou é diáconos. Que no grego bíblico tem o mesmo significado de escravo. Jesus estava dizendo que seus discípulos deveriam ser escravos e servos uns dos outros. O desejo dos filhos de Zebedeu é também intrínseco ao coração de muitos lideres cristãos (pelo menos assim se denominam) desejam a mesma coisa que Tiago e João: Serem vistos pelos demais estando acima dos mesmos. São lideres que seguem a risca a ortodoxia (doutrina correta) mais que esquecem ou menosprezam a ortopraxia (pratica correta). Disso deve resultar a reflexão da famosa frase teológica que; “Verticalidade mística, implica em horizontalidade ética”, traduzindo em miúdos, ou parafraseando o apostolo João; “Quem odeia o seu irmão a quem vê, não pode dizer que ama a Deus a quem não vê.” Ou “Amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.” No caso de Jesus.
Se Jesus veio servir, a igreja é também convocada ao serviço. A pregação do evangelho só pode ser autenticamente legitimada se a mesma ultrapassar o mundo dos discursos vazios e estereotipados, para que os senhores sejam servos. A igreja precisa inverter a pirâmide social para servir a sociedade e poder pensar como pensava são Francisco de Assis “Evangelize o mundo, se precisar use as palavras”...


Breve comentário por Alexsandro:

Cada vez mais precisamos nos deparar com essa realidade cristã: a de servir ao próximo como manifestação do amor que há em nós. E essa é a lógica do cristianismo e nela se baseia o reino de Deus: no amor a Deus e ao próximo e no amor de Deus para com a humanidade, revelado em Jesus Cristo. Não existe amor sem prestação de serviços. Mas nesses dias, o problema é que o ato de servir tem se tornado algo muito subjetivo, inclusive entre cristãos evangélicos e principalmente entre seus líderes. Ou seja, a ideia de servir se estagnou na esfera da linguagem, das meras palavras que por mais lindas que sejam, nunca passarão de palavras; se reduziu a atitudes triviais como fazer uma oração, interceder por um milagre de cura ou abençoar alguém com um óleo ungido. O líder que é capaz de servir através da operação de milagres não é também capaz de aplacar a fome de um irmão faminto. As grandes igrejas atuais se enriqueceram praticando esse "servir" subjetivo, mas na prática tanta riqueza não é revestida em obras sociais que façam jus à essa riqueza ou que faça uma diferença visível na vida daqueles que mais precisam da ajuda das igrejas. Não há um servir concreto, que vá além das palavras e ultrapassa o mundo das convenções sociais, como essa ideia do "salve-se quem puder" que foi citado no artigo. E cada vez mais a igreja se torna uma repetição do mundo, onde a competição e rivalidade por poder transforma seres humanos em meros objetos ou produtos a serem comercializados...
Bom, mas tudo isto já foi previsto, não foi? No entanto, nada nos impede de lutar por uma igreja sadia e livre dessa verticalidade social, das políticas de engrandecimento dos seus líderes e da prática desse serviço subjetivo e morto nas fronteiras das palavras.

Divina Dádiva